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NULIDADE DE TESTAMENTO: PREVALÊNCIA DA ÚLTIMA VONTADE DO TESTADOR

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Advogado de Família e Sucessões - Jaster

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Autor do artigo: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Estado do Paraná

RESUMO:

O presente informativo tem como fim explicitar a importância máxima da vontade do testador para fins de testamento. Para tanto, inicialmente se explica o que é e qual a função de um testamento. Depois, evidencia-se quais são os requisitos para, juridicamente, o testamente existir, ser válido e ter eficácia. Por fim, adentra-se nos meandros da nulidade destes testamentos, a fim de se demonstrar que a vontade do testador é elemento nuclear de toda a discussão.



Palavras-chave: nulidade; testamento; prevalência da última vontade do testador.



Sumário: 1. O que é um testamento e para que serve; 2. Testamento: planos da existência, validade e eficácia; 3. Nulidade do testamento; 4. Conclusão.



1. O QUE É UM TESTAMENTO E PARA QUE SERVE



O testamento é o ato jurídico pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens, no todo ou em parte, para depois de sua morte: é a manifestação de sua última vontade a este respeito. Por metonímia, é também o instrumento que comprova este ato.

Sua função, portanto, é garantir que os bens do testador sejam partilhados de acordo com a sua vontade, indicando com qual pessoa cada bem ficará após a sua morte. Ocorre que a disposição de tais bens não é totalmente livre: apenas se pode dispor livremente de 50% dos seus bens, uma vez que, de acordo com a legislação brasileira (art. 1.846, CC), os outros 50% já são garantidos aos chamados "herdeiros necessários".[1] Da metade que se pode dispor, o testador pode deixar o que, quanto e para quem quiser.

Como declaração de vontade, não de resume apenas ao modo como se dará a partilha, mas pode dispor de questões como (i) reconhecimento de um filho fora do casamento; (ii) maneira como se pagarão as dívidas que tem; (iii) como deverá ser feito o funeral; entre outras informações.

Importante lembrar que há mais de uma modalidade de testamento, todos dispostos no Código Civil. Eles podem ser ordinários ou especiais. Entre os ordinários, encontram-se o testamento público (arts. 1.864 a 1.867), testamento particular (arts. 1.868 a 1.875), testamento cerrado (arts. 1.876 a 1.880) e codicilo (arts. 1.881 a 1.885). Entre os especiais estão os testamentos militares, marítimos e aeronáuticos (arts. 1.888 a 18.96).



2. TESTAMENTO: PLANOS DA EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA



Sendo um ato de autonomia privada que gera efeitos jurídicos determinados, a natureza jurídica do testamento é a de um negócio jurídico (art. 104 a 114 do CC). É sobre as bases do negócio jurídico que se edificam os planos da existência, validade e eficácia dos testamentos. Em outras palavras, os requisitos para que um testamento exista, valha e seja eficaz abarcam os requisitos que faz com que um negócio jurídico exista, valha e seja eficaz.

Vale a lembrança de que, como pressuposto de toda essa discussão, a vontade do testador é o núcleo fundante de qualquer testamento, de modo a representar a autonomia privada da pessoa em dispor de seus bens após a morte - isso não pode ser relativizado, sem a vontade não se pode falar em testamento.

Desta feita, passa-se a analisar do que é preciso para que juridicamente um testamento exista, valha e seja eficaz. Quanto à existência, não basta apenas a declaração de vontade, sendo necessário o cumprimento de forma específica em lei - doutro modo, não existe. Cumpre ressaltar que os requisitos de existência dependem de qual testamento se está fazendo, vez que cada um tem suas especificidades. O testamento público - de todos o mais utilizado por assegurar maior segurança de cumprimento da vontade do testador -, por exemplo, para existir, deve seguir o que manda o art. 1.864 do CC.[2]

A validade do testamento, por sua vez, segue os requisitos do negócio jurídico: (i) ser celebrado por agente capaz; (ii) ter objeto lícito, determinado ou determinável; e (iii) ter forma prescrita ou não defesa em lei. Veja-se que a "forma prescrita em lei" reaparece para a validade dos testamentos, de modo a se mostrar extremamente importante essa exigência formal. Sem prejuízo, conforme se verá adiante, a jurisprudência é pacífica em admitir a validade dos testamentos desde que o instrumento represente de fato a vontade do testador, ainda que contenham vícios formais.

A eficácia, por fim, é causa mortis, isto é, só será eficaz (terá seus efeitos) após a morte do testador. É interessante notar que os testamentos podem contar com os elementos acidentais, condição, termo e encargo. Ou seja, os testamentos abrem a possibilidade de se ter cláusulas restritivas, embora obviamente haja algumas restrições para tais, como o art. 123 do CC,[3] por exemplo.

3. NULIDADE DO TESTAMENTO



Quando ocorre vício de validade do testamento, pode-se ter ou a nulidade ou a anulabilidade. Assim, a invalidade é gênero, ao passo que nulidade e anulabilidade são espécies. Tratar-se-á, neste artigo, apenas das hipóteses de nulidade. A nulidade tem algumas características importantes a serem lembradas. Tendo em vista que reflete a invalidade por algum vício, a nulidade (i) opera-se de pleno direito; (ii) pode ser arguida pelas partes, pelo juiz de oficio, por terceiro e pelo Ministério Público; (iii) não se sujeita a prazo prescricional ou decadencial; entre outros.

Preliminarmente, há de se fazer uma ressalva. Os testamentos podem ser considerados nulos em parte ou no todo. Isso porque, quando há vício de invalidade em apenas uma das cláusulas do instrumento, por força do princípio de continuidade dos negócios jurídicos, [4] inexiste razão para que se invalide todo o testamento, tornando inválida apenas tal cláusula.

Agora, há vícios em que fulminam por todo o testamento, tornando-o inválido por completo. Os arts. 166[5] e 167[6] do CC descrevem hipóteses para a nulidade do negócio jurídico. Por exemplo, caso se comprove a incapacidade do testador, é incontroverso a nulidade do testamento:



APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. AÇÃO ORDINÁRIA DE NULIDADE DE TESTAMENTO. INCAPACIDADE DA TESTADORA COMPROVADA. SENTENÇA MANTIDA. Demonstrada a incapacidade da testadora ao tempo das disposições de última vontade, vez que acometida de moléstia que a levava à confusão mental, bem como à alteração de comportamento, impõe-se a declaração de nulidade do testamento, a teor do disposto no art. 1.860 do CC. APELO DESPROVIDO. (TJ-RS - AC: 70056271570 RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 29/01/2014, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/02/2014)



Ademais, é nulo qualquer testamento feito por mais de uma pessoa (conjuntivo), uma vez que é ato personalíssimo (art. 1858, CC):



APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. PEDIDO DE REGISTRO E CUMPRIMENTO DE TESTAMENTO. TESTAMENTO PARTICULAR FEITO POR DUAS PESSOAS. VÍCIO QUE TORNA O TESTAMENTO NULO.

É descabido o registro e cumprimento de testamento particular feito ainda sob a égide do Código Civil de 1916 conjuntamente por duas pessoas, uma vez que, de acordo com o art. 1.630 daquele diploma legal, que encontra plena correspondência no art. 1.863 do CC/2002, é proibido o testamento conjuntivo simultâneo. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJ-RS - AC: 70069427979, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 25/08/2016, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação 30/08/2016). (sem grifos no original).



A exigência da capacidade civil, por exemplo, na primeira jurisprudência colcaionada, serve para que o testamento de fato seja a última manifestação de vontade da pessoa: se quem testa é uma pessoa enferma e sem discernimento, não é possível aferir se o testamento conta com a sua real vontade, de modo que deve ser declarado nulo para evitar o beneficiamento de algum herdeiro contra a vontade do de cujus.

Quanto a segunda jurisprudência, impede-se o testamento conjuntivo justamente por se tratar de um instrumento pessoal, que deve representar as vontades tão somente do sujeito sozinho.

Vê-se que não há, em nenhum momento, a clara expressão de que o testamento será inválido quando não representar a última vontade do testador. Isso ocorre porque esse requisito é pressuposto para a discussão de qualquer outra exigência de validade. Ou seja, pode o testamento preencher todos os requisitos de existência e validade, mas, não representando a vontade do testador, ele será nulo.



Apelação Cível. Sucessões. Pedido de registro e cumprimento de testamento. Procedimento de jurisdição voluntária. Sentença que indeferiu o requerimento, julgando extinto o feito sem resolução do mérito, ao fundamento de que ausentes os requisitos objetivos exigidos pela lei, reconhecendo a nulidade do documento, além de condenar o requerente e seu advogado, solidariamente, na pena por litigância de má-fé. Documento que contém espaços em branco, sem assinatura e rubrica da testadora e das testemunhas em ambas as páginas. Firmas que foram reconhecidas após o óbito da testadora e em documento incompleto. Violação ao disposto no §2ª do art. 1.876, e, ainda, ao dispostos nos parágrafos únicos dos arts. 1864 e 1868, aplicados por analogia, todos do Código Civil. Desrespeito também ao §1º, A, §2º e §5º, todos do art. 344 da CNCGJ/RJ. Descumprimento de variados requisitos formais, aliados a outras provas constantes dos autos, que não permitem aferir a real vontade da falecida. Testamento nulo. Sentença que se reforma apenas para afastar a condenação do advogado do requerente por litigância de má-fé, por força do art. 77, §6º, do CPC/15, devendo ser oficiada a OAB para fins de apuração de falta disciplinar. Recurso parcialmente provido. (TJ-RJ - APL: 01578217420148190001, Relator: Des(a). MAURO PEREIRA MARTINS, Data de Julgamento: 22/05/2019, Décima Terceira Câmara Cível). (sem grifos no original).



É cristalino: a prevalência da vontade do testador é o elemento nuclear para todo testamento. Tanto o é que, mesmo na falta de algumas formalidades exigidas, mas comprovado que o testamento representa a vontade do falecido, a jurisprudência pátria admite a validade do testamento.



DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TESTAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS AUTORES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE QUE A ESCRITURA JÁ ESTAVA LAVRADA QUANDO DO COMPARECIMENTO DAS TESTEMUNHAS NO TABELIONATO. AINDA QUE ISSO TIVESSE OCORRIDO, NÃO SERIA MOTIVO DE NULIDADE DO ATO POR SE REVELAR VÍCIO FORMAL QUE NÃO MACULA A VONTADE DO TESTADOR. ADEMAIS INEXISTE DÚVIDA QUANTO A APTIDÃO FÍSICA E MENTAL DO FALECIDO NESSA OCASIÃO. VERBA HONORÁRIA ARBITRADA EM CONFORMIDADE COM A REALIDADE DOS AUTOS QUE NÃO COMPORTA MINORAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-PR - APL: 1272835-7, Rel.: Luiz Cezar Nicolau, Data de Julgamento: 15/04/2015, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: 07/05/2015). (sem grifos no original).



Ao fim, o testamento é puramente uma declaração de vontade, de modo a ser inerente a autonomia privada da pessoa, sob pena de nulidade.

4. CONCLUSÃO



Os testamentos, embora não muito utilizados no Brasil, são instrumentos juridicamente muito importantes para fazer prevalecer a autonomia privada do testador em dispor de seus bens livremente (metade deles, ao menos, como visto) após a sua morte. Isso é o que se chama de prevalência da última vontade do testador, que é basilar para qualquer testamento: sem ele, não há testamento juridicamente válido, ou seja, não gera efeitos.

Assim, vê-se que, embora seja um ato com particularidades próprias, os testamentos tem a natureza de negócio jurídico, seguindo as suas exigências de existência, validade e eficácia, ainda que não se restrinja a eles. A mesma lógica se aplica, portanto, as hipóteses de nulidade do testamento. Finalmente, viu-se que não há celeuma na jurisprudência pátria em entender a prevalência da vontade do testador como centro e peça mais importante de toda a discussão, concluindo-se, novamente, que a vontade do testador deve estar presente no testamento, sob pena de nulidade do instrumento.


[1] Por herdeiros necessários entende-se os descendentes, o cônjuge e os ascendentes (art. 1.845, CC). Existe uma ordem sucessória, também disposta em lei (art. 1.829, CC): os descendentes; os ascendentes; o cônjuge sobrevivente; e os colaterais (irmãos, tios, sobrinhos, primos - ou seja, que só terão parte imediata na herança caso não haja herdeiros necessários).

[2] Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público: I - ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; II - lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial; III - ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.

[3] Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas; II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.



[4] Art. 184, CC: Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.

[5] Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

[6] Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

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