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DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

Autores do artigo: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Estado do Paraná e JOSÉ LUIZ DA MATTA COTA, graduado em Direito na Universidade Federal do Estado do Paraná.

1. INTRODUÇÃO

O casamento, de acordo com as palavras do próprio Código Civil, estabelece “uma comunhão plena de vida”. A exata mesma lógica é aplicada à união estável. Neste sentido, acabam estas relações por projetar suas consequências jurídicas não unicamente em questões referentes à pessoa, mas também naquelas que dizem respeito a um aspecto patrimonial dos envolvidos.

Tão difícil é dissociar este aspecto patrimonialista da relação afetiva que Paulo Nader afirma que, para alguns economistas, “a família se assemelha à empresa, pois detém patrimônio, produz ou presta serviços, lida com o ativo e o passivo, embora sua contabilidade seja informal[1]”.

Sob esta ótica, portanto, pode-se dizer que a figura do regime de bens é elemento protagonista do matrimônio e da união estável. Afinal, a depender de sua modalidade estabelecida pelos indivíduos, a comunhão de vidas oriunda destas relações pode ou não possibilitar também uma comunhão de bens em grau mais amplo ou mais restrito.

Estudaremos no presente artigo, neste sentido, o regime da comunhão parcial de bens, que ganha ainda mais destaque na medida em que é ele o regime legal supletivo. Em outras palavras, caso as partes envolvidas não optem por um regime específico, tem ele relevante importância na medida em que é o regime padrão a ser utilizado quando da análise dos efeitos patrimoniais do casamento ou união estável.



2. O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS



O regime da comunhão parcial de bens funda-se na ideia basilar de reconhecer uma presunção de colaboração conjunta pela aquisição onerosa de bens durante a constância do casamento. Em outras palavras, presume-se de forma absoluta - juris et de jure, não admitindo prova em sentido contrário -, que um cônjuge auxiliou o outro na aquisição de patrimônio durante a convivência, quer este auxílio tenha se dado de forma econômica, de forma moral, ou até mesmo de forma psicológica.

Neste sentido, a fim de evitar eventual enriquecimento por apenas um dos envolvidos, os bens adquiridos a partir da data do casamento, via de regra, se comunicam, são propriedades de ambos. Salvo específicas exceções, a serem apresentadas posteriormente ainda neste estudo, formam eles um chamado domínio comum, conhecido no âmbito do Direito pela nomenclatura “aquestos”.

Os bens adquiridos anteriormente à data em que celebrado o casamento, por sua vez, não se comunicam. Continuam integrando o patrimônio pessoal e único do indivíduo que já o pertencia.

É por esta razão que Paulo Nader afirma que, na vigência do casamento ou da união estável, “apresentam-se portanto, três patrimônios distintos: o do homem, o da mulher e o comum ao casal”, sendo cada qual “constituído, em seu formato teórico, de bens móveis, imóveis, créditos e obrigações[2]”.



2.1.OS BENS QUE INTEGRAM A COMUNHÃO



Na redação do artigo 1.660 do Código Civil, o legislador tratou de especificar quais os bens que integram a comunhão, constituindo o patrimônio comum de ambos os indivíduos que se relacionam. São eles, in verbis:



Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.



Tratam-se, pois, de bens adquiridos na constância da relação a título oneroso (que implica gastos) e por fato eventual (fortuidade; independentemente de trabalho ou despesas). A título exemplificativo, podemos mencionar a compra e venda de imóvel como um bem adquirido a título oneroso, enquanto por bem adquirido por fato eventual destacam-se a descoberta de tesouro ou a vitória em loteria.

Importante abordar também a hipótese do inciso V, que diz respeito aos frutos, inclusive dos bens particulares de cada cônjuge. Nos moldes do que já apresentado ao longo deste estudo, no regime da comunhão parcial de bens, presume-se sempre o esforço de ambas as partes na aquisição do patrimônio. Neste sentido, apesar de o bem ser particular de apenas uma das partes, considera-se fundamental a participação do outro para o surgimento dos frutos em questão. É o exemplo da renda de aluguel de imóvel particular de um dos cônjuges, que entra na comunhão.

Apesar de não incluído expressamente na norma apresentada, muito se discute a respeito da comunhão de verbas decorrentes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e de indenizações trabalhistas. O tema já foi tratado no artigo “Da partilha de direitos trabalhistas, verbas rescisórias e indenizatórias trabalhistas”, redigido por esta mesma autoria. Em síntese, tem o Superior Tribunal de Justiça entendido por reconhecer a participação destas verbas nos aquestos quando suas causas aquisitivas ocorreram na constância da relação.

Por fim, muito se discute também, na prática, a comunhão de imóveis adquiridos pelo sistema financeiro e por meio de financiamentos. Nestes casos, como lecionam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, “há de se fazer um ajuste contábil. O valor pago pelo titular antes de casar será considerado somente seu (bem particular). Todavia, o montante pago durante o casamento tem de ser partilhado, por decorrer de esforço comum[3]”.



2.2.OS BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO



Mais do que definir os bens que fazem parte da comunhão, necessário se faz indicar quais os bens específicos não constituem o patrimônio comum do casal, os já apresentados aquestos.

É neste sentido que o legislador estabeleceu, também, o artigo 1.659 do Código Civil, que nestes termos dispõe:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.



Relevante se faz abordar, de início, a hipótese do inciso I da norma em análise. Para além dos autoexplicativos “bens que cada cônjuge possuir ao casar”, que naturalmente farão parte do patrimônio individual de cada um, atenta-se à hipótese de, ocorrendo doação ou sucessão posterior à relação. Esta exclusão, nas palavras de Paulo Nader, “se harmoniza com a teleologia do regime, que é de formar o patrimônio comum com bens gerados pelo esforço do casal e durante a comunhão de vida[4]”.

O inciso II da mesma norma prevê, ainda, a incomunicabilidade dos bens adquiridos em sub-rogação dos bens particulares. Em outras palavras, a substituição de um bem incomunicável por outro novo não torna este último comunicável, ainda que na constância do casamento. É o exemplo da compra de um imóvel com os recursos financeiros exclusivamente advindos da venda de um antigo imóvel particular de propriedade apenas um dos integrantes.

Por fim, no que diz respeito ao inciso VI, referente aos “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”, o que inclui o salário, as remunerações em sentido amplo e a aposentadoria, fundamental se faz apresentar as lições de Flávio Tartuce:

Há problema técnico em relação a tal comando, pois se interpretado na literalidade, nada ou quase nada se comunicará nesse regime. Desse modo, na esteira da melhor doutrina, a norma merece interpretação restritiva. A correta interpretação deve ser no sentido de que se os proventos forem recebidos durante a união haverá comunicação, prevalecendo a norma do art. 1.688 do CC[5].

2.3.DA ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM

Havendo, conforme mencionado, bens individuais de cada cônjuge/companheiro e bens comuns, necessário se faz distinguir a forma na qual se dá a administração de cada um deles.

Naturalmente, a administração dos bens particulares competirá a seu respectivo proprietário e as dívidas provenientes não obrigam o patrimônio comum, nos termos do que dispõe o artigo 1.666 do Código Civil.

Quanto ao patrimônio comum, por sua vez, a administração compete a ambos os cônjuges. É o que dispõe o artigo 1.663 do mesmo Código, em observância à igualdade prevista no texto constitucional.

Ressalta-se, ainda, que os bens da comunhão ainda respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal, nos termos do artigo 1.664 do Código Civil. Flávio Tartuce, neste sentido, exemplifica com as hipóteses de despesas de alimentação da família; despesas de aluguel e condomínio do apartamento do casal e das contas de consumo mensal[6].



2.4.DOS EFEITOS DO REGIME NA SUCESSÃO

Finalmente, quanto às repercussões jurídicas da adoção do regime da comunhão parcial de bens no campo do Direito Sucessório, pertinente se faz realizar uma análise do artigo 1.829 do Código Civil:



Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.



Em síntese, ocorrendo a morte de uma das partes, realizar-se-á primeiramente a meação[7], dividindo o bem comum (adquirido onerosamente na constância da relação) em dois, destinando‑se metade dele à parte sobrevivente e a outra metade à herança.

Posteriormente, realiza-se, enfim, a sucessão[8], que é responsável por dividir a herança, que compreende a outra metade do patrimônio comum e o patrimônio individual não comunicado do falecido. Há aí, apesar da literalidade da norma, uma enorme controvérsia doutrinária.

Uma das correntes, que se materializou até mesmo no Enunciado nº 270 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, entende que só se assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes caso “o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”.

Há quem entenda, entretanto, que a concorrência na comunhão parcial deve se dar tanto em relação aos bens particulares quanto aos comuns, sendo materializada até mesmo em julgado do Superior Tribunal de Justiça[9] datado do ano de 2013.

Fala-se até mesmo em uma terceira corrente, de Maria Berenice Dias, que defende que a sucessão do cônjuge, na comunhão parcial, só ocorre se o falecido não tiver deixado bens particulares[10].

Para Flávio Tartuce, entretanto, o novo julgamento da questão pela Segunda Seção do Tribunal da Cidadania no ano de 2015, consolida “a posição majoritária da doutrina no sentido de que a concorrência do cônjuge, no regime da comunhão parcial de bens, diz respeito aos bens particulares, aqueles que não fazem parte da meação[11]”:



Recurso especial. Civil. Direito das sucessões. Cônjuge sobrevivente. Regime de comunhão parcial de bens. Herdeiro necessário. Existência de descendentes do cônjuge falecido. Concorrência. Acervo hereditário. Existência de bens particulares do de cujus. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil. Violação ao art. 535 do CPC. Inexistência. (…). 2. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. 3. A referida concorrência dar­-se­-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus. 4. Recurso especial provido[12].

De acordo com as lições do autor, na medida em que possuem força vinculativa as decisões do Superior Tribunal de Justiça em sede de recursos repetitivos, espera­-se que esta última traga maior estabilidade e pacifique o tema em análise.


[1] NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 5: direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 587.

[2] Ibid., p. 635.

[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias, volume 6. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 323.

[4] NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 5: direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 638.

[5] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 823.

[6] Ibid., p. 825.

[7] Instituto de Direito de Família, que depende do regime de bens adotado.

[8] Instituto de Direito das Sucessões, que decorre da morte do falecido.

[9] STJ, Ac. Unân., 3ª T., REsp 1.377.084/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 8.10.2013, DJe 15.10.2013

[10] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 980.

[11] Ibid., p. 981.

[12] STJ, REsp 1.368.123/SP, 2.ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, j. 22.04.2015, DJe 08.06.2015

AÇÃO DE PARTILHA. APELAÇÃO CÍVEL - REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO - ALEGAÇÃO DE QUE O BEM IMÓVEL DEVE SER EXLCUÍDO DA COMUNHÃO PORQUE FOI ADQUIRIDO COM DINHEIRO PROVENIENTE DE DOAÇÃO REALIZADA PELA MÃE DO REQUERIDO - AUSÊNCIA DE PROVAS - REQUERIDO QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR A OCORRÊNCIA DE ALGUMA DAS HIPÓTESES DE EXCEÇÃO DA COMUNICABILIDADE PREVISTAS NO ARTIGO 1.659 DO CÓDIGO CIVIL - PRESUNÇÃO DE COMUNICABILIDADE COM BASE NO ARTIGO 1.658 DO CÓDIGO CIVIL. BENS MÓVEIS - REQUERIDO QUE NÃO COMPROVOU QUE A AQUISIÇÃO FOI ANTERIOR AO CASAMENTO - PARTILHA DEVIDA COM BASE NO ARTIGO 1.662 DO CÓDIGO CIVIL. READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 1.658, 1.659 E 1.662 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 11ª C.Cível - AC - 1351989-2 - Arapongas - Rel.: Francisco Cardozo Oliveira - Unânime - - J. 15.03.2016)