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COTAS SOCIETÁRIAS E INVENTÁRIO

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RESUMO:

 

O presente informativo tem como objetivo, em primeiro lugar, responder a seguinte questão: com a morte do sócio de uma sociedade, como ocorre a sucessão de suas cotas empresariais? Para desvendar tal pergunta, visualiza-se que há diferentes maneiras para que ocorra a sucessão, tendo o contrato social papel predominante para tanto. Nesse sentido, observa-se, igualmente, as diferentes possibilidades para a liquidação dessas cotas em favor dos herdeiros. Por fim, vê-se que, algumas vezes, o de cujus, quando ainda vivo, utiliza-se de patrimônio pessoal para integralizar cotas da sociedade, a fim de fraudar o inventário.

 

Palavras-chave: cotas societárias; sucessão; liquidação de cotas; fraude no inventário.

 

Sumário: I. Introdução; II. Sucessão das cotas societárias: contrato social; III. Liquidação das cotas; IV. Holding patrimonial: planejamento sucessório ou fraude; V. Conclusão.

 

I - Introdução

 

Como se sabe, as cotas societárias fazem parte do patrimônio pessoal do sócio (pessoa física), não se confundindo com o patrimônio da sociedade (pessoa jurídica). Nesse sentido, com o falecimento de um sócio, integrará o espólio, para além dos demais bens da pessoa, também as cotas societárias, sujeitas a partilha entre os herdeiros e a meação.

Ocorre que, por óbvio, a sucessão de tais cotas não tem regra única, isto é, não há mandamento absoluto que resolverá todas as partilhas e inventários, dependendo, por exemplo, para determinar a sucessão, de que tipo de pessoa jurídica estamos tratando, bem como no que dispõe o seu contrato social. Dentro dessa seara, há de se discutir se os herdeiros serão sócios da sociedade ou não, ou, então, como se dará a liquidação das cotas. Por fim, existe uma preocupação em relação a fraudes no inventário mediante a integralização de cotas da sociedade por meio de patrimônio pessoal, com fins seja de prejudicar um herdeiro, seja pra se esquivar do ITCMD.

 

II -SUCESSÃO DAS COTAS SOCIETÁRIAS: CONTRATO SOCIAL

 

Preliminarmente, é interessante entender algumas peculiaridades das cotas empresariais. Elas apresentam aspecto de (i) direito patrimonial, que vincula o sócio aos resultados da empresa; e de (ii) direito pessoal, no sentido de ter direitos como sócio para os atos da sociedade. Desta feita, a questão é: quando um sócio falece, os herdeiros tornam-se sócios da empresa? Não necessariamente, tudo irá depender de qual PJ estamos tratando e se há alguma disposição no contrato social nesse sentido.

Por exemplo, nas sociedades anônimas (como há a possibilidade de transmitir ações) e nas firmas individuais (em que o patrimônio pessoal e da PJ se confunde) essa possibilidade é mais fácil de se verificar. Agora, como a maioria das empresas no Brasil se tratam de sociedades limitadas ou anônimas de capital fechado, essa possibilidade é mais restrita. Ora, porque, como a sociedade é organizada e dirigida por vários sócios em conjunto - proporcionalmente às cotas que cada um tenha -, há de se ter a anuência dos demais sócios de quem irá ou não compor a sociedade. As cotas societárias vinculam somente o seu titular a empresa; os herdeiros, ao herdá-las, têm direito, a princípio, apenas a um direito de crédito em face da empresa: a posição de sócio ostentada pelo de cujus não é transferida.

O contrato social da empresa pode vedar a possibilidade de ingresso na sociedade dos herdeiros, de modo que estes gozarão das cotas que sucederem pela liquidação delas. Nesse caso, caso os herdeiros queiram ser sócios da empresa, devem fazer pelos meios adequados, pois não atingirão este fim pelas vias sucessórias: vale o que o contrato social dispor, sob o prisma dos princípios da autonomia privada e da continuidade empresarial.

Existe a possibilidade de o contrato social expressamente permitir que os herdeiros assumam a posição de sócios com as cotas societárias herdadas. Presume-se, portanto, que os outros sócios da empresa estão de acordo com a entrada deles na sociedade. No entanto, mesmo que o contrato preveja a substituição do sócio falecido pelos herdeiros, isso não ocorre imediatamente, uma vez que os herdeiros só substituirão caso queiram.

 

O herdeiro, pois que o é legítimo, ou contemplado no testamento, pode aceitar a herança, e não querer entrar para a sociedade. Se o presumível herdeiro tomou parte no contrato social, para se vincular à entrada eventual, tem de satisfazer, no momento da morte do sócio, às exigências legais e contratuais para a substituição. Porém, tudo isso nada tem com a sucessão em si mesma: o sócio pode deixar mesmo de dizer que a pessoa que tomará o lugar é um dos presumíveis herdeiros. Se estabeleceu que todos os herdeiros seriam sócios, nem por isso a referência a “herdeiro” fez iure hereditário a substituição do sócio.[1]

 

Por fim, caso não haja previsão contratual sobre a questão, só poderão ingressar na sociedade caso os demais sócios assim permitirem. É determinação legal, conforme art. 1.003 do Código Civil.

 

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

 

Assim, caso haja concordância e entrem na sociedade, não há de se falar em dissolução da sociedade (há casos em que o contrato dispõe que, em caso de morte de um dos sócios, a empresa se dissolve), nem sequer parcialmente (quando há a resolução da sociedade apenas à um sócio). Todavia, não havendo concordância, terão os herdeiros direito a liquidação das cotas e a sociedade se dissolverá parcialmente.

Há, por fim, uma particularidade quando a sucessão é em relação a cônjuge com direito à meação. Nesse caso, exsurge o instituto da subsociedade, isto é, o cônjuge não sócio, em função da meação, torna-se sócio do cônjuge que é sócio, mas não da sociedade. Isso faz com que as obrigações da partilha e efeitos dela decorrentes não podem ser imputadas a sociedade, mas ao cônjuge sócio.

Pois, enfim, verifica-se que a possibilidade de ingresso na sociedade via sucessão das cotas depende do que o contrato social dispuser, bem como de qual tipo de PJ estamos tratando. Pode o contrato social prever que a resolução se dará ou pela entrada do herdeiro na sociedade, ou pela liquidação. O que não pode é o contrato social vedar ambas as possibilidades.

 

III - LIQUIDAÇÃO DAS COTAS

 

Haverá a liquidação das cotas nas hipóteses em que os herdeiros não forem compor o quadro societário, seja por sua própria vontade, seja por determinação contratual.

O Código Civil mostra-se bastante claro em relação à liquidação de cotas. Veja-se que o próprio diploma estabelece as exceções à liquidação, anteriormente explicadas:

 

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido

 

Ou seja, apenas não haverá a liquidação das cotas quando se configurarem algumas das exceções dispostas nesses três incisos. Entretanto, havendo liquidação, ela se dará de acordo com a proporcionalidade das cotas do de cujus em relação à sociedade, mediante balanço especial. É o que determina o art. 1.031 do Código Civil:

 

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

 

Nesse sentido, o contrato social da empresa pode também definir de que forma se dará a liquidação, ou seja, apurar com quais bens isso será feito, diminuindo em consequência o capital social da empresa. O que não pode fazer o contrato é vedar sob qualquer hipótese a liquidação. No entanto, não havendo tal previsão contratual e os sócios remanescentes não cobrindo as cotas, a liquidação será feita em dinheiro, conforme §§ 1º e 2º do art. 1.031:

 

§1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

§2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

 

Outra ressalva importante a ser feita é a de que a liquidação não pode ser feita autonomamente, isto é, sem a abertura do inventário e partilha. É o entendimento da 3ª Turma do STJ:

 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. COERDEIRO NECESSÁRIO. DEFESA DE INTERESSE PRÓPRIO E INDIVIDUAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. É legitimado para propor ação de dissolução parcial de sociedade, para fins de apuração da quota social de sócio falecido, o espólio. 2. A legitimidade ativa, em decorrência do direito de saisine e do estado de indivisibilidade da herança, pode ser estendida aos coerdeiros, antes de efetivada a partilha. Essa ampliação excepcional da legitimidade, contudo, é ressalvada tão somente para a proteção do interesse do espólio. 3. No caso dos autos, a ação foi proposta com intuito declarado de pretender para si, exclusivamente, as quotas pertencentes ao autor da herança, independentemente da propositura da correspondente ação de inventário ou de sua partilha. Desse modo, não detém o coerdeiro necessário a legitimidade ativa para propor a presente ação. 4. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1645672 SP 2016/0326070-6, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 22/08/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/08/2017). (sem grifos no original).

Os herdeiros, contudo, não podem exigir, para fins de liquidação de cotas, a restituição dos bens que foram utilizados para a integralização do capital social da sociedade, uma vez que o patrimônio da empresa não se confunde com o do sócio falecido.

 

IV - HOLDING PATRIMONIAL: PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO OU FRAUDE?

 

É cada vez mais comum a constituição de holdings patrimoniais. O que é isso? São sociedades empresárias não operacionais constituídas para fins de melhor administração de bens próprios, oferecendo vantagens tributárias e sucessórias muito superiores do que se estivessem em mãos de pessoa física. Faz-se isso pela utilização de patrimônio pessoal, todo ou em boa parte, para a integralização de cotas da empresa.

É ferramenta muitas vezes para planejamento sucessório, como sendo alternativa para um processo de inventário que é muito moroso. Tendo em vista que somente uma pessoa fica sob a administração dos bens, a transferência de cotas societárias, operando já a sucessão conforme unicamente a vontade do sócio fundador. Se a sucessão quiser ser feita ainda em vida, faz-se mediante de doação de participação societária aos herdeiros, cláusulas estas que seriam inalienáveis, impenhoráveis, incomunicáveis e irreversíveis.

Dribles à legislação sucessória, que restringe a autonomia privada de disposição dos bens do falecido. Embora muitos digam ser planejamento sucessório, ele está recheado de oportunidades para arbitrariedades e fraudulências.

Primeiro, porque se esquiva da tributação do inventário:

 

O valor monetário dos bens imóveis que serão transferidos e integralizados no capital social da empresa será o valor constante na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física do patriarca, do ano-calendário vigente e não pelo valor de mercado do bem. Essa condição gera grande benefício tributário em comparação com o processo de inventário, sendo que caso a sucessão seja realizada perante o Poder Judiciário o patrimônio será reavaliado pela Secretaria da Fazenda onde o valor dos bens presente no espólio serão reavaliados e tributados pelo valor atual de mercado.[2]

 

Depois, permite que o sócio fundador prejudique um herdeiro em detrimento de outro, por simples vontade. Não se utiliza a legislação sucessória, de modo que se pode quase excluir da sucessão algum herdeiro por motivos além daqueles da indignação e da deserdação. Imaginemos então que, por desavenças normais da vida, que não ensejariam a exclusão da sucessão normalmente, um dos herdeiros fique apenas com uma pequena parcela das cotas sociais, ao passo que os demais herdeiros terão muito mais. Ou então que este herdeiro fique com as cotas que correspondem a bens que lhe são completamente inúteis, enquanto as coisas de verdadeiro valor fiquem com os demais herdeiros.

São apenas exemplos rápidos de vários que podem ser pensados, que demonstram as possibilidades de fraude, injustiças e desproporcionalidades que podem ocorrer com as holdings patrimoniais. Embora a legislação sucessória possa sofrer críticas quanto a restrição a autonomia da vontade do de cujus, ela evita esse tipo de arbitrariedades: a vontade não pode ser um valor absoluto, sob pena de injustiça material para com os herdeiros.

 

V - CONCLUSÃO

 

Viu-se que a sucessão das cotas societárias e a sua liquidação são assuntos complexos que exigem um olhar atento dos operadores do Direito brasileiro para não incorrer em equívocos. Examinou-se, outrossim, que o contrato social acaba tendo prevalência para como se dará a sucessão de fato, tanto em relação a possibilidade de ingresso dos herdeiros na sociedade, quanto a como se darão uma possível liquidação das cotas. Por fim, entendeu-se que as holdings patrimoniais, ainda que muitos julguem lícitas, são fontes de várias fraudes e injustiças para com os herdeiros, bem como maneira de se esquivar da taxação das autoridades fiscais.

[1]PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 141.

[2] VISCARDI, Diego. Holding Patrimonial: as vantagens tributários e o planejamento sucessório. Revista Jus Navigandi. 2016.


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