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Autores do artigo:
WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Estado do Paraná e JOSÉ LUIZ DA MATTA COTA, graduado em Direito na Universidade Federal do Estado do Paraná.
1. INTRODUÇÃO
Ainda que o ordenamento jurídico estabeleça que, com a morte do indivíduo, a integralidade de seus bens deve se transmitir para seus sucessores legítimos e testamentários, o caminho a ser percorrido até este momento final é muito mais complexo do que superficialmente parece ser.
No meio tempo entre a apuração dos bens que integram o patrimônio do de cujus e a definição de qual bem da herança se destinará a cada um dos sucessores, deve o juiz solucionar todas as questões suscitadas pelos interessados.
E neste sentido, diante da diversidade de interesses que podem incidir sobre o patrimônio de alguém que não mais está presente, não se torna difícil perceber que o processo de inventário exsurge como ambiente fértil para a manifestação de divergências familiares.
Talvez pela ciência dos abalos emocionais decorrentes do luto ou por prever que disputas emocionais preexistentes poderiam impactar também as ações judiciais, o legislador estabeleceu ao inventário um procedimento especial, que contém diversos mecanismos voltados a evitar que a efetividade processual seja esquecida em detrimento de tais conflitos.
Um dos maiores exemplos destes é, sem sombra de dúvidas, a possibilidade de remoção do inventariante, a qual será estudada no decorrer do presente artigo.
2. A FIGURA DO INVENTARIANTE
Se, nos moldes do exposto, existe um longo e conflituoso lapso temporal entre a abertura do inventário e a efetiva destinação dos bens a cada um dos sucessores, certo é que a universalidade do patrimônio deixado pelo de cujus não pode ficar ao léu.
É para retirar do patrimônio esta condição de indefinição que a lei prevê a existência da figura do inventariante, indivíduo que vai auxiliar o juízo na administração do acervo hereditário e no cumprimento das exigências e determinações legais a fim de finalizar o processo.
Sua escolha não é arbitrária ou mesmo discricionária por parte do juiz. É vinculada, em verdade, a um critério delimitado pela lei no artigo 617 do Código de Processo Civil. De acordo com o texto legal, estabelece-se ordem de preferência que se inicia com (i) o cônjuge ou companheiro sobrevivente, passando sucessivamente pelo (ii) herdeiro que está na posse do patrimônio, pelos (iii) herdeiros num geral, pelo (iv) herdeiro menor assistido por representante legal, pelo (v) testamenteiro, pelo (vi) cessionário do herdeiro ou do legatário, (vii) pelo inventariante judicial e, por fim, por (viii) pessoa estranha idônea onde não houver inventariante judicial.
Fala-se inclusive na possibilidade de recusa do cargo de inventariante na medida em que se trata de posição que confere a tal indivíduo uma série de responsabilidades. Afinal, para que se cumpra sua função de administrar os bens deixados pelo falecido e atender às exigências e determinações legais para a partilha, pode - e às vezes deve - o inventariante alienar bens, transigir em nome do espólio, pagar as dívidas e realizar as despesas necessárias à sua conservação.
Diante de todas estas atribuições, fica ainda o inventariante responsabilizado civilmente perante a prática destes atos. Em outras palavras, pode ser ele obrigado a reparar prejuízos causados por sua ação, por sua omissão, por negligência ou por imprudência quando da administração dos bens deixados pelo de cujus.
Não menos importante é ainda apontar que se trata de dever do inventariante a prestação de contas referente à sua gestão sempre que o juiz determinar ou quando deixar este posto, nos moldes do que bem indica o inciso VII do artigo 618 do Código de Processo Civil.
Por fim, caso não sejam cumpridas pelo inventariante as incumbências do mesmo artigo 618 do Código de Processo Civil, existe a possibilidade de se requerer a remoção deste, hipótese na qual deverá o juiz nomear outro para assumir a responsabilidade em seu lugar. É este o tema central do presente artigo, a ser destrinchado no tópico a seguir.
3. DAS HIPÓTESES DE REMOÇÃO DO INVENTARIANTE
Se o Código de Processo Civil impõe ao inventariante uma série de responsabilidades e incumbências legais, também ele prevê hipóteses para a instauração de um incidente de remoção deste auxiliar do juízo caso sua atuação não se compatibilize com a noção de processo efetivo tanto preconizada pela processualística contemporânea:
Art. 622. O inventariante será removido de ofício ou a requerimento:
I - se não prestar, no prazo legal, as primeiras ou as últimas declarações;
II - se não der ao inventário andamento regular, se suscitar dúvidas infundadas ou se praticar atos meramente protelatórios;
III - se, por culpa sua, bens do espólio se deteriorarem, forem dilapidados ou sofrerem dano;
IV - se não defender o espólio nas ações em que for citado, se deixar de cobrar dívidas ativas ou se não promover as medidas necessárias para evitar o perecimento de direitos;
V - se não prestar contas ou se as que prestar não forem julgadas boas;
VI - se sonegar, ocultar ou desviar bens do espólio.
De início, fundamental ressaltar não se tratarem as hipóteses trazidas pelo artigo 622 de um rol taxativo. O Juiz possui a prerrogativa de promover a remoção do inventariante caso entenda pela existência de vícios capazes de ensejar a medida, ainda que estes não estejam constantes da norma legal.
Muitas, neste sentido, podem ser as causas motivadoras de uma remoção do inventariante, nos moldes do que exemplifica Arnaldo Rizzardo:
(...) o aparecimento, no curso do inventário, de total incompatibilidade entre herdeiros e inventariante, ou entre este e alguns deles, transparecendo atitudes de evidentes manobras para prejudica-los; ou a não tolerância e nem permissão em visitar e examinar os bens do espólio; a retenção de valores recebidos por períodos longos, sem o devido investimento; a constante demora em atender os compromissos do espólio; e mesmo a constituição de procurador sem a devida capacidade profissional, trazendo dificuldades no prosseguimento do inventário. Enfim, todo o comportamento recriminável e inadequado na gestão do patrimônio de terceiros[1].
Ainda a ilustre Maria Berenice Dias, neste sentido, entende:
Comprovadas falhas culposas ou dolosas no exercício da inventariança, justifica-se a sua remoção. A tramitação por muitos anos do processo, por si só, não é motivo bastante para o afastamento do inventariante. Nem a complexidade do processo é causa para a sua remoção. No entanto, ainda que não haja falha do inventariante, o profundo dissenso entres as partes de modo a comprometer o andamento do inventário e retardar a sua conclusão autoriza a nomeação de um inventariante dativo.[2]
Percebe-se, com isto, que qualquer postura omissiva ou comissiva adotada pelo inventariante que contribua para retardar o prosseguimento processual ou até mesmo condutas que apontem falta de zelo para com o patrimônio do acervo, bem como atos que indiquem tentativa de obter vantagem em relação aos demais sucessores podem dar causa à instauração do procedimento de remoção de inventariante[3].
Ainda que em todas estas hipóteses não tenha o Código de Processo Civil de 2015 inovado em relação a seu antecessor, verificou-se uma importante inovação na medida em que agora expressamente a remoção pode ser realizada também de ofício pelo próprio magistrado. Em seu artigo 622, o texto legal corroborou o antigo entendimento do Supremo Tribunal Federal que, anos antes, já afirmava que “ao juiz compete sempre a direção do processo, e não é de exigir-se que fique ele inerte se entende que o inventariante vem procedendo inconvenientemente, prejudicando o processo de inventário[4]”.
4. DO PROCEDIMENTO DA REMOÇÃO DO INVENTARIANTE
Por mais que se verifique, em razão da não taxatividade das hipóteses e da possibilidade de atuação de ofício, certa liberdade do juiz quanto ao provimento do incidente de remoção do inventariante, não se pode cogitar que também seu procedimento seja dotado desta característica.
Na medida em que se trata de ato judicial com caráter punitivo, pressupondo infração dos deveres inerentes ao cargo, não pode a remoção ser determinada de plano e sem conferir ao inventariante o efetivo contraditório.
E para que toda esta discussão não tumultue ainda mais o processo principal de inventário, o parágrafo único do artigo 623 do Código de Processo Civil dispõe que quando requisitada por qualquer interessado, o incidente de remoção do inventariante deve ser decidido por meio de um incidente que correrá em apenso aos autos originais, onde o inventariante terá o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar defesa e provas que desconstituam ou modifiquem o alegado pela parte que requereu a remoção. Quando é determinada de ofício pela autoridade judicial, o procedimento é realizado dentro dos próprios autos.
Importante salientar ainda que a decisão que remove o inventariante é responsável também por já nomear outro em substituição. Neste sentido, o recurso cabível para esta decisão é o agravo de instrumento.
Ademais, outra inovação trazida pelo artigo 625 do Código de Processo Civil de 2015 é a possibilidade de aplicação de multa em caso de não devolução dos bens do acervo hereditário administrados em razão de sua posição, devendo ser arbitrada pelo juiz em valor não superior a 3% (três por cento) do total dos bens.
Por fim, ressalta-se que apesar de ser fundamental a formação do contraditório e da ampla defesa no procedimento de remoção de inventariante, fala-se também na possibilidade de concessão de tutela antecipada pelo juiz quando preenchidos os requisitos da tutela antecipada.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todas as atribuições conferidas pelo Código de Processo Civil, não surpreendente é afirmar que o inventariante atua no processo de inventário como um verdadeiro auxiliar do juízo. Afinal, compete a ele tanto o cumprimento das determinações legais a fim de promover o regular andamento do processo, quanto a administração dos bens deixados pelo de cujus, hipótese em que deve agir com lisura e como se somente dele a propriedade fosse.
Contudo, por diversos motivos podem os inventariantes não exercerem sua função da maneira que deveriam, seja omitindo bens, prestando contas de forma equivocada, ou, por exemplo, não atendendo às determinações judiciais.
É neste sentido que se demonstra fundamental para a efetividade do processo de inventário conferir atenção especial à atuação do inventariante e, no caso de se considerar pertinente, proceder à instauração do incidente de sua remoção na tentativa de evitar qualquer deturpação dos poderes daquele auxiliar do juízo.
[1] RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P. 640.
[2] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 4ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2016. P. 564.
[3] VIDAL, Amanda Pereira Marinho. Remoção de inventariante: análise das causas à luz da jurisprudência cearense. 2016. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2016 Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2018.
[4] STF, 2ª Turma, RE 99.567/GO, Rel. Min. Aldir Passarinho, ac. 14.06.1983, DJU 06.04.1984.