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Do regime da separação legal ou obrigatória de bens e suas especificidades

Autores do artigo: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Estado do Paraná e JOSÉ LUIZ DA MATTA COTA, graduado em Direito na Universidade Federal do Estado do Paraná.

1. INTRODUÇÃO

Quando se casa ou se formaliza uma união estável, o ideal é que a decisão acerca do regime de bens a ser adotado na relação resulte de uma análise profunda sobre de qual de suas modalidades mais se adequaria às particularidades do casal. Afinal, falamos aqui de uma escolha que regulará todo o aspecto patrimonial da relação até seu término ou sua posterior alteração, não podendo ser subjugada especialmente na medida em que um regime bem adotado é capaz de evitar incontáveis controvérsias posteriores.

Ocorre que, para algumas situações específicas, o legislador não deixou a cargo dos cônjuges e companheiros esta fundamental escolha. Aplica-se, nestas circunstâncias, o chamado regime da separação legal de bens, que é uma vertente do gênero separação de bens.

Na intenção de desmistificar este regime instituído legalmente, o presente estudo apresentará suas hipóteses de ocorrência, bem como seus efeitos jurídicos patrimoniais.

 

2. BREVE APRESENTAÇÃO DA SEPARAÇÃO DE BENS E DE SUAS ESPÉCIES CONVENCIONAIS E LEGAIS

 

Quando falamos no gênero separação de bens, devemos ter em mente uma ideia primitiva de que os patrimônios dos consortes, via de regra, não se misturam[1]. É por esta razão que Paulo Nader, citando o autor belga Henri de Page, afirma se tratar de um “regime matrimonial negativo[2].

Esta separação de bens, entretanto, pode se manifestar sob duas modalidades, que apesar de semelhantes por pertencerem a este mesmo gênero, possuem particularidades próprias.

Quando sua adoção decorre da autonomia dos nubentes, estamos diante da espécie “separação convencional de bens”. Por sua vez, quando a própria lei retira a liberdade de escolha do regime de bens por parte dos nubentes, como mencionado na introdução deste estudo, estamos diante da espécie “separação obrigatória ou legal de bens”.

O presente estudo tem o condão de analisar apenas esta última modalidade, na qual a lei impõe a prevalência de um regime sem deixar qualquer opção aos envolvidos. Justamente por esta razão, passar-se-á, adiante, a conferir atenção especial à separação obrigatória ou legal de bens, mencionando a modalidade convencional apenas eventualmente, para fins unicamente comparativos e sem qualquer pretensão de esgotar seu estudo.

 

3. DAS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA OU LEGAL DE BENS

 

Em subtítulo destinado a tratar dos regimes de bens entre os cônjuges, o Código Civil de 2002 alerta em seu artigo 1.641 para uma única exceção à regra geral de liberdade de escolha do regime patrimonial do casamento:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

 

Trata-se de uma disposição eminentemente sancionatória, em que o legislador impede a mistura patrimonial em determinadas circunstâncias em vistas de um suposto interesse público, cogente[3].

As hipóteses tratadas entre os incisos I e III do artigo em questão, imperioso ressaltar, são taxativas. Em outras palavras, não se admite uma interpretação extensiva de forma a abarcar hipóteses não expressamente contempladas.

Ocorre que tal dispositivo é alvo de duras e generalizadas críticas por parte da doutrina, a exemplo de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que nestes termos asseveram:

Este artigo, em nosso sentir, desafia o jurista a tentar realizar uma interpretação constitucional, especialmente na perspectiva do superior princípio da isonomia. Aliás, vamos além: esse dispositivo, posto informado por uma suposta boa intenção legislativa, culmina, na prática, por chancelar situações de inegável injustiça e constitucionalidade duvidosa[4].

Fundamental se faz passar, então, a uma análise detalhada de cada uma das hipóteses de imposição do chamado regime legal obrigatório.

A primeira delas é, ainda na palavra dos mencionados autores, a de mais simples entendimento e aceitação[5]. Diz respeito aos casos em que um dos nubentes esteja inserido em uma das causas de suspensão do casamento previstas no artigo 1.523 do mesmo código[6]. São, em verdade, situações objetivamente contempladas na lei, impondo o regime de bens em análise na intenção de não prejudicar aspectos patrimoniais referentes ao filho do falecido de um antigo casamento (quando o cônjuge viúvo ainda não fez a partilha dos bens comuns ou quando a ex-esposa pretende se casar antes do término do prazo de presunção de paternidade, que é de 300 dias), do divorciado (quando o seu ex-consorte quer casar sem realizar a prévia partilha de bens) e do tutelado e curatelado (quando o seu tutor ou curador poderia se aproveitar do múnus)[7]. Afinal, a inobservância de uma causa suspensiva não provoca uma invalidade do casamento, mas apenas sua irregularidade, com uma imposição de sanção de cunho patrimonial, que, no caso, seria a obrigatoriedade de um regime específico.

O segundo inciso, por sua vez, é o principal alvo das críticas por parte da doutrina. Afinal, ao impor o regime da separação de bens aos idosos maiores de 70 anos na (suposta) boa intenção de protegê-los das investidas de quem planeja aplicar o chamado golpe do baú, reduz-se a autonomia daqueles como pessoas ainda que a idade avançada não seja causa de incapacidade civil.

Pertinentes se fazem, neste sentido, as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

Efetivamente, trata-se de dispositivo legal inconstitucional, às escâncaras, ferindo frontalmente o fundamental princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), por reduzir a sua autonomia como pessoa e constrangê-lo pessoal e socialmente, impondo uma restrição que a norma constitucional não previu.

(...)

Ademais, atenta, por igual, contra a proteção integral e prioritária dedicada ao idoso pela Lei nº 10.741/03 – Estatuto do Idoso, restringindo, indevidamente, a sua autodeterminação. É, enfim, um verdadeiro ultraje gratuito à melhor idade, decorrente de uma cultura patrimonialista, que pouco se acostumou a valorizar a pessoa, e não o seu patrimônio. O ser e não o ter!

Acresça-se, por igual, que a norma se põe em rota de colisão com o movimento de intervenção mínima do Estado nas relações de família (também apelidado de direito de família mínimo), afrontando a autonomia privada[8].

Rolf Madaleno, neste entendimento, afirma ser a disposição atentatória da liberdade individual e, sobretudo, contraditória. Para ele, trata-se de uma “curiosa interdição que não impede o sexagenário de decidir sobre o destino das riquezas de outras uniões se, por exemplo, sua profissão for de um julgador, atuando como juiz[9]”.

Igualmente relevante é o apontamento de Caio Mário da Silva Pereira, que afirma que “se é certo que podem ocorrer esses matrimônios por interesse nessas faixas etárias, certo também que em todas as idades o mesmo pode existir[10]”.

Por fim, a terceira hipótese legal é aquela que impõe o regime da separação para os que necessitam de alguma autorização judicial para se casar, a exemplo dos menores de 16 anos e daqueles cuja idade está entre os 16 e os 18 anos de idade, mas que não obtiveram o consentimento de seus pais. Critica-se o fato de que, havendo o suprimento judicial por ato do magistrado, sendo ouvido inclusive o Ministério Público - encarregado de proteger os interesses dos incapazes -, não faria sentido impor qualquer tipo de sanção.

Cabe ressalvar, entretanto, que no caso de virem a cessar as causas que originaram a obrigatoriedade do regime da separação legal de bens – quando possível –, podem as partes interessadas pleitear em juízo a modificação do regime adotado.

 4. DOS EFEITOS JURÍDICOS DA SÚMULA 377 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM RELAÇÃO AO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA OU LEGAL DE BENS 

Inobstante já se tenha mencionado superficialmente que nos regimes da separação total de bens - seja ele convencional ou legal - o patrimônio dos consortes idealmente não se comunicaria, deixaram de serem aprofundados estes e outros aspectos jurídicos do regime, os quais implicam em efeitos patrimoniais fundamentais para os envolvidos.

O mais relevante deles é o surgimento da Súmula 377, editada pelo Supremo Tribunal Federal ainda no ano de 1964. Com o propósito de se distanciar da restrição do já demonstrado artigo 1.641 do Código Civil, dispõe o entendimento, in verbis: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Afinal, se a obrigatoriedade legal imposta não se revela minimamente razoável, a própria jurisprudência atuou no sentido de mitigar suas consequências jurídicas.

Nos moldes do que lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, nos casamentos celebrados pelo regime de separação obrigatória, “os aquestos (bens adquiridos onerosamente na constância do matrimônio) se comunicam pelo simples fato de que o esforço comum do casal é presumido, sob pena de perpetuar violação à proibição do enriquecimento sem causa[11]”.

Disto ocorre uma relativa aproximação ao regime da comunhão parcial de bens, vez que haveria inclusive a necessidade de consentimento do cônjuge para a alienação ou oneração de bens imóveis comuns nos matrimônios submetidos à separação legal. Complementam os autores, neste sentido, que “a solução é diametralmente oposta àquela preconizada pelo caput do art. 1.647, pois, na separação compulsória, como se percebe da incidência da Súmula 377, não há uma separação absoluta. Somente no regime de separação convencional é que existirá uma separação absoluta e, por conseguinte, será dispensada a necessária outorga do cônjuge[12]”.

Entretanto, não há como se falar que se trate de uma “conversão jurisprudencial forçada” do regime de separação legal de bens em um verdadeiro regime da comunhão parcial de bens, nos moldes do que afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[13]. Isto porque ainda que comum seja a característica da comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento, o regime da comunhão parcial tem regras próprias e inaplicáveis à separação obrigatória.

Neste sentido, quando falamos no regime da separação legal ou obrigatória de bens, falamos em um regime no qual não se comunicam os bens adquiridos anteriormente à união conjugal. Comunicam-se, entretanto, desde a edição da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, os bens adquiridos na constância do casamento.

 

5. DOS EFEITOS JURÍDICOS DO REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL OU OBRIGATÓRIA DE BENS QUANTO À SUCESSÃO, QUANTO À SOCIEDADE COM TERCEIROS E QUANTO À VENDA DE IMÓVEIS

 

Demonstrados os efeitos da Súmula apresentada, pertinente se faz, a fim de finalizar a análise desta modalidade de regime de bens, apresentar suas demais repercussões jurídicas.

No que diz respeito à sucessão, da análise do artigo 1.829 do Código Civil, percebe-se a intenção do legislador de reduzir o direito do cônjuge à herança nos casos em que o regime adotado para o casamento é o da separação legal ou obrigatória de bens:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Neste sentido, ocorrendo o falecimento de um dos cônjuges, o outro somente terá direito, a priori, a 50% dos bens adquiridos na constância do casamento mediante a prova do esforço comum. Todo o restante do patrimônio deverá ser destinado aos descendentes ou, subsidiariamente, os ascendentes. Apenas na remota possibilidade de não haver nenhum destes é que se fala na hipótese de o cônjuge sobrevivente receber o patrimônio.

Nas palavras de Maria Berenice Dias, trata-se de “mera tentativa de limitar o desejo dos nubentes mediante verdadeira ameaça. A forma encontrada pelo legislador para evidenciar sua insatisfação frente a teimosia de quem desobedece ao conselho legal e insiste em realizar o sonho de casar é impor sanções patrimoniais[14]”.

Outro aspecto jurídico interessante é o previsto pelo artigo 977 do Código Civil. Proíbe-se, em síntese, os cônjuges casados no regime da separação obrigatória de contratar sociedade entre si ou com terceiros.

Finalmente, fala-se também na questão relativa à venda dos imóveis. Com o surgimento da Súmula 377, nos moldes do que já demonstrado ao longo do item 4 deste estudo, os bens adquiridos conjuntamente na constância da união são considerados comunicáveis. Neste sentido, tratando-se de venda referente a um destes bens, será necessária a outorga do cônjuge para sua disposição. Tratando-se, entretanto, de um bem particular, anterior ao casamento, não comunicável, não há que se falar em qualquer necessidade de outorga do cônjuge.


[1] Como veremos adiante, a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, estabeleceu uma hipótese de comunicação para espécie a separação legal/obrigatória de bens. Ainda assim, pode-se afirmar que a noção central do gênero separação de bens, de forma genérica, está fundada na ideia de incomunicabilidade dos bens.

[2] NADER, Paulo. Curso de direito civil, volume 5: direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 685.

[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias, volume 6. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 277.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1198.

[5] Idem.

[6] Art. 1.523. Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

[7] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias, volume 6. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2015., p. 278.

[8] Ibid., p. 278-279.

[9] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito de Família, 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 183

[10] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol 5. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

[11] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias, volume 6. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2015., p. 283.

[12] Idem.

[13] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1201.

[14] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 229.