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Investigação Paternidade Post Mortem

Dr. Winderson Jaster: Advogado com experiência em demandas de Investigação de Paternidade e Maternidade biológica e Afetiva Post Mortem. Leia o artigo e saiba mais.

  1. Reconhecimento de paternidade/maternidade post mortem à luz das decisões do Superior Tribunal de Justiça

    Resumo

    O presente informativo tem o escopo de percorrer a temática do reconhecimento de paternidade e/ou maternidade post mortem a partir das decisões proferidas nos últimos anos pelo STJ. Para isso, será apresentado os pressupostos analisados recorrentemente pelo Tribunal para reconhecer ou não a existência de filiação. Adianta-se que a morte dos genitores ou pais socioafetivos, portanto, não configuram óbice ao pleito de formalização da filiação, todavia, precisam ser devidamente comprovados, para que não se fomente mero interesse patrimonial nas relações familiares.

  2. Introdução

    A seara do direito de família é dotada de temas sensíveis, uma vez que existe como instrumento de regulamentação das relações mais intensas vividas pelos sujeitos: casamento, filiação, união estável, parentesco. Assim, é inequívoco o fato de que a família, nas mais variadas formações sustentadas atualmente, é de máxima valia para o desenvolvimento da identidade do indivíduo.
    Partindo dessa premissa relacional entre família e identidade dos sujeitos é que se propõe abordar o tema do reconhecimento da paternidade ou maternidade post mortem com base nas decisões do Superior Tribunal de Justiça. Ainda não há um repetitivo que reporte especificamente sobre o tema, mas, contudo, há inúmeros julgados que abordam a questão, estabelecendo requisitos para o reconhecimento.
    Desse modo, a abordagem far-se-á tanto sob o reconhecimento do vínculo biológico, quanto o vínculo socioafetivo, exemplificando a partir dos julgados os pressupostos, bem como os efeitos jurídicos sentidos a partir do reconhecimento.

  3. Do reconhecimento da paternidade e maternidade biológica post mortem

    No reconhecimento de maternidade ou paternidade biológica, a prova mais cabal é o exame de DNA que evidencia a presença do vínculo biológico entre genitor e o filho que busca o reconhecimento. Todavia, não é sempre que essa prova é produzida assim que ocorre a aproximação entre mãe/pai biológico e filho, não devendo ser arguida, portanto, como pressuposto único do reconhecimento da filiação após a morte do(a) genitor(a).
    Ademais, a investigação da origem biológica constitui direito personalíssimo em nosso ordenamento, o que equivale dizer que o seu requerimento não é limitado temporariamente (imprescritível), tampouco se pode afastá-lo da esfera de direitos do indivíduo (indisponível). Não cabe, portanto, a aplicação do art. 1.614 do Código Civil, como muitos alegam a título de defesa.
    Outro relevante ponto decorre do não impedimento à investigação de paternidade/maternidade quando já existe uma filiação socioafetiva, o que se estende aos casos de reconhecimento post mortem, pois a busca da origem genética está fortemente atrelada à proteção da dignidade do indivíduo, princípio basilar de todo ordenamento jurídico brasileiro. O tema constitui, aliás, um repetitivo do Supremo Tribunal Federal (STF) de nº 622, cabível a todos os casos que versam sobre a temática:

    A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

    A título de exemplo, expõe-se a importante decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em 2017, que já reforçava a lição retro mencionada:

    RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO. IGUALDADE ENTRE FILHOS. ART. 227, § 6º, DA CF/1988. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍNCULO BIOLÓGICO. COEXISTÊNCIA. DESCOBERTA POSTERIOR. EXAME DE DNA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. GARANTIA. REPERCUSSÃO GERAL. STF. 1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988 inovou ao permitir a igualdade de filiação, afastando a odiosa distinção até então existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal). 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. 3. A existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis. 4. O reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1618230 RS 2016/0204124-4, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 28/03/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2017).

    É possível extrair, portanto, que sob a égide da CF/88 que veda a desigualdade entre as diferentes origens da filiação, diante do reconhecimento da paternidade ou maternidade, ainda que post mortem, dever-se-á restar garantido todos os efeitos jurídicos decorrentes, inclusive os patrimoniais.

  4. Da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem

    Ao que se refere à busca de reconhecimento de maternidade ou paternidade socioafetiva post mortem, aparentemente há uma maior rigorosidade probatória para permitir o seu reconhecimento, bem como a fruição dos direitos sucessórios decorrentes.
    No cenário jurisprudencial irá se observar, portanto, a necessária comprovação da socioafetividade e, conseguinte, a inexistência de mero interesse patrimonial.
    Contudo, como se pode avaliar logo de início, a comprovação da socioafetividade se torna mais dificultosa, pois há um vínculo muito mais subjetivo a ser sustentado. Todavia, o STJ, assim como os demais Tribunais da Federação, já expôs a possibilidade do reconhecimento socioafetivo post mortem a partir da comprovação dos elementos exigidos para a declaração de paternidade ou maternidade socioafetiva ainda em vida, que comporta a demonstração da posse de estado de filho, o qual se faz perceber a partir do nomen, fama e tractatus. Além disso, o STJ reputa necessário a demonstração de que o de cujus possuía a vontade de ser identificado como pai ou mãe, no intuito de verificar se o que existia era uma relação de filiação socioafetiva apenas não formalizada ou mera solidariedade e carinho.
    Consoante o exposto, menciona-se a decisão a seguir que perpassa pelos pressupostos do reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem:

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.762.280 - RS (2018/0111546-9) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE: R H L ADVOGADOS : CRISTIANO PRETTO - RS050223 JULIANA LEITE RIBEIRO DO VALE - RS055051 RECORRIDO : E X B - SUCESSÃO RECORRIDO : J I X B R RECORRIDO : S M B X RECORRIDO : E X M RECORRIDO : S B A ADVOGADO : ROSÂNGELA RAMOS RODRIGUES - RS028379 PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. PRETENSÃO, EM TESE, ADMISSÍVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação dos artigos 489 e 1.022 do CPC quando a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, ainda que em sentido contrário à parte recorrente. 2. A pretensão de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem é, em tese, admissível. 3. No caso dos autos, em julgamento antecipado da lide, o juiz de piso extinguiu o feito sem resolução de mérito por impossibilidade jurídica do pedido, não viabilizando ao autor a produção de provas a fim de que este demonstrasse se havia, de fato, a nítida intenção do de cujus em adotá-lo, o que acarretou em cerceamento de defesa. 4. Recurso especial provido. (...) 2. A constituição da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai/mãe, ao despender afeto, de ser reconhecido juridicamente como tal. É dizer: as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação, se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte daquele que despende o afeto, clara e inequívoca intenção de ser concebido como pai/mãe daquela criança. Tal comprovação, na hipótese dos autos, deve revestir-se de atenção especial, a considerar que a pretensa mãe socioafetiva já faleceu (trata-se, pois, de reconhecimento de filiação socioafetiva post mortem). 2.1. O Tribunal de origem, ao julgar o recurso de apelação, bem identificou a importância do aspecto sob comento, qual seja, a verificação da intenção da pretensa mãe de se ver reconhecida juridicamente como tal. (...). Desse modo, há que se conferir à parte o direito de produzir as provas destinadas a comprovar o estabelecimento das alegadas relações socioafetivas, que pressupõem, como assinalado, a observância dos requisitos acima referidos. 3. Recurso especial provido, para anular a sentença, ante o reconhecimento de cerceamento de defesa, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, de modo a viabilizar a instrução probatória, tal como requerido oportunamente pelas partes. (REsp 1328380/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 03/11/2014). 4. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para cassar a sentença e o acórdão, devendo os autos retornar à origem para prosseguimento do feito, com a abertura da dilação probatória. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 1º de fevereiro de 2019. Ministro Luis Felipe Salomão Relator. (STJ - REsp: 1762280 RS 2018/0111546-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 26/02/2019)

    Por conseguinte, decisões ainda mais recentes já reconheceram a comprovação da posse de estado de filho como suficiente para o reconhecimento da filiação:

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.865.972 - MA (2020/0058129-4) RELATOR: MINISTRO MOURA RIBEIRO RECORRENTE: A M ADVOGADO: EMMANUEL ALMEIDA CRUZ - MA003806 RECORRIDO: T DE J M F - ESPÓLIO RECORRIDO: J L A F - ESPÓLIO RECORRIDO: R DE C F F - INVENTARIANTE RECORRIDO: M L A F D RECORRIDO: F M A F RECORRIDO: M J A F RECORRIDO: A C DE M F DA G RECORRIDO: B R DA G N - INTERDITO REPR. POR: A DE A P DA G - CURADOR ADVOGADOS: SANDRA HELENA FERRAZ FRAZÃO - PI006626 MATEUS DE CARVALHO NOGUEIRA - MA019442 DECISÃO A M ajuizou ação declaratória de paternidade socioafetiva post mortem com retificação do assentamento de nascimento civil em face do espólio de J L A F e T J A F, C A A F, M L A F D, F M A F, M J A F, R DE F F C, A C M F G e B R G N, alegando ser filha socioafetiva do casal falecido. O Juízo de primeira instância julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais declarar a filiação socioafetiva de A M em relação a J L A F e T J A e determinar a inclusão do nome destes como seus pais, com as demais averbações necessárias na certidão de nascimento da autora (e-STJ, fls. 905/928). Inconformados, os requeridos interpuseram apelação, provida pelo TJMA, em acórdão assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE AFETIVA POS MORTEM. FRAGILIDADE DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. VÍNCULO SOCIOAFETIVO NÃO COMPROVADO. APELO PROVIDO. 1. Com efeito, para o reconhecimento do vínculo socioafetivo post mortem basta que seja comprovado o inequívoco estado de filha pelos falecidos. Trata-se de um processo no qual o status é mais do que uma simples e extemporânea manifestação feita pelos de cujus, porque o seu reconhecimento não está ligado a um único ato, mas a uma ampla gama de acontecimentos que se prolongam no tempo e que perfeitamente servem de sustentáculo para a confirmação da relação. 2. Para o reconhecimento post montem da relação socioafetiva, impõe-se a demonstração do estado de filiação, que, por sua vez, consiste na situação fática na qual uma pessoa desfruta do status de filho em relação a outra pessoa, independentemente dessa situação corresponder à realidade legal. 3. Não há como prevalecer a tese da paternidade/maternidade socioafetiva em detrimento do princípio da verdade real, quando não comprovada a existência de vínculo familiar entre as partes. (...). Nessas condições, CONHEÇO em parte do recurso especial para, nessa extensão, NEGAR-LHE PROVIMENTO. MAJORO em 5% os honorários advocatícios anteriormente fixados em desfavor da A M, observadas as disposições do art. 85, §11, e 98, §3º, do NCPC. Publique-se. Intimem-se. EMENTA CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE POST MORTEM. VIOLAÇÃO DO ART. 489. NÃO VERIFICADA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NÃO DEMONSTRADA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. Brasília (DF), 22 de maio de 2020. MINISTRO MOURA RIBEIRO Relator. (STJ - REsp: 1865972 MA 2020/0058129-4, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Publicação: DJ 27/05/2020)

    Depreende-se, destarte, que a prova da relação familiar varia de caso a caso, mas que deve demonstrar a existência de socioafetividade entre as partes, esta que se faz presente a partir dos seguintes elementos necessariamente cumulativos: i) nomen: quando o filho adquire o nome dos pais socioafetivos; ii) fama: a sociedade o reconhece como filho; iii) tractatus: é o tratamento de filho, podendo ser expresso através de declarações em redes sociais, presença em reuniões escolares, afirmações públicas dos pais socioafetivos, dentre outras possibilidades.
    Ressalta-se, por fim, que o supramencionado Tema repetitivo do STF também se estende à socioafetividade, no sentido de que não há uma hierarquia entre os tipos de filiação, assim, parece correto afirmar que do mesmo modo que a existência de uma relação socioafetiva não implica a busca do reconhecimento de paternidade/maternidade biológica, também não há empecilho no reconhecimento de uma paternidade/maternidade socioafetiva diante da existência de uma filiação biológica, sendo, em tese, plenamente possível, ainda mais quando considerado o reconhecimento formal da multiparentalidade, outro tema relevante do direito de família.

  5. Conclusão

    De acordo com a exposição ora realizada, conclui-se a ausência de óbice do reconhecimento da filiação após o falecimento dos genitores ou pais socioafetivos, embora não se possa negar a possibilidade de maior rigidez probatório, ainda mais se considerarmos a filiação socioafetiva que tem como base a vontade dos sujeitos envolvidos.
    Assim, uma vez devidamente comprovado o vínculo biológico (através de testemunhas, teste de DNA, p. exemplo) ou o vínculo socioafetivo (posse de estado de filho + existência de vontade do de cujus em ser reconhecido como pai/mãe), deve-se haver o reconhecimento da filiação, bem como ser assegurado os efeitos jurídicos sucessórios consequentes, lembrando-se, por fim, que inexiste hierarquia entre os tipos de filiação ora retratados.